top of page

Sem Título #1

Mal passo a porta da peça que tem a mesa e os papéis e canetas e tintas e penas e logo percebo o desconforto que a minha presença causa. A folha da janela bate então eu tenho que entrar pra fechar. O vento deixa ainda mais aparente o tanto de poeira que cobre a mesa e cobre os papéis, os lápis, canetas, penas, a borracha o nanquim e tudo mais. Quando o vento levanta a poeira contra o sol é possível vê-la em detalhes. Uma pequena galáxia de poeira na peça da janela que bate e que tem a mesa onde eu deveria estar curvado riscando alguma coisa.


Sentado em cima da mesma mesa, no canto esquerdo da mesma mesa, de costas pra mim, tentando pegar a poeira com as mãos, está um desenho. Ele vira a cabeça e me olha por cima do ombro. Minha presença ali gera um desconforto imediato naquele desenho. Dá pra sentir. Às vezes o desenho quer distância de mim. Que bata a folha da janela. Preciso sair logo dali.


Convido as meninas pra caminhar lá fora. Catar folha, flor, semente, conversar com os cachorros da esquina, ver se o cavalo tá lá, se a bandeira da casa do vizinho desbotou um pouco mais, comprar pão, ir até a pracinha. Quem sabe no caminho eu encontre algum desenho que me faça voltar pra casa.


Rafael Sica, janeiro de 2023.



Posts recentes

Ver tudo
bottom of page